segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Crônica




O observador

Ela esta lá, intacta e fria, a velha catedral da Sé, cartão postal de uma das mais importantes metrópoles do mundo. Por trás dela existe e sempre existirá alguém que irá viver esta cidade intensamente, todos os dias, sob o sol, sob a chuva, entre os papelões, ao redor dos escombros, da escória, de tudo aquilo que uma metrópole oferece a um miserável morador de rua. João, mais um migrante que sonhou encontrar um futuro melhor na cidade grande, e somente encontrou as ruas como morada. Estas mesmas ruas que ele jamais saberá quem lhes deu os nomes e que com certeza, o seu, jamais estará estampado em alguma placa. De seus olhos cobertos pela ignorância, nunca irá entender o porque de tantas pessoas se reunirem em volta da Catedral com faixas, gritos e rezas. Ele passa desapercebido, talvez até queira assim, não saberia como se portar com gente tão politizada. A cidade cresce a seu redor de forma assustadora, os prédios estampam o cenário com uma beleza quase mórbida, o cotidiano vai mudando, primeiro passavam alguns hippies, depois uns punks, algumas ideologias que sempre retornam, ônibus elétrico, metrô, tecnologias, e João continua no mesmo lugar, sobrevivendo, revolvendo o lixo, observando. A oportunidade está em quem tem coragem de subir aos arranha-céus e fincar sua bandeira, determinar seu futuro, vencer o complexo de inferioridade, enfrentar o som da cidade que explode nos tímpanos descarregando decibéis de intensidade híbrida transformada em energia que faz com que, toda essa grandeza tome movimento.Quem vê ao longe jamais irá sentir como é viver intensamente as ruas no cotidiano como João, ele caminha, atravessa em meio aos carros, faróis, becos, camelôs, sem diferença social. Para ele as gravatas são apenas coleiras que prendem os homens nos escritórios e repartições publicas impedindo-os de viver a cidade de uma forma que pudessem comandar suas vidas e determinar a hora de ir e vir, sentar, levantar, observar. Transformando os dejetos em alimento, João segue recolhendo latas dos meio-fios, respirando o monóxido de carbono que invade seus pulmões como energia altamente radical, com certeza nada que lhe faça sentir-se doente. Nas sombras da noite se recolhe em seu ambiente frio e úmido entre a sujeira e os vermes, de onde observa as criaturas da noite que saem de suas salas acarpetadas para viver, dançar, namorar, descarregar suas magoas nos bares da cidade. De gritos e crimes, tudo fica colorido pelos luminosos, o cinza por algumas horas se transforma em primavera, a noite é suficientemente curta para se viver e enorme para se comentar, não interessa a João ele apenas dorme. A manhã nasce fria com uma ponta de sol acima da Catedral fazendo sombra sobre João, a vida mais uma vez se renova na cidade, aos poucos ela vai se povoando incomodando o sono de quem dorme nas calçadas, e tudo se estabiliza dentro de sua enorme aglomeração e João observa...

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